segunda-feira, 27 de novembro de 2017

NOVIDADES NA POLÍTICA DE COTAS PARA DEFICIENTES EM UNIVERSIDADES FEDERAIS

  No final de 2016, foi sancionada pelo governo uma mudança na lei de cotas em universidades federais e cursos técnicos de nível médio federais que inclui maior acesso de pessoas com deficiência. A cota garantida por lei desde 2012 buscava a inclusão de pessoas com menor renda nas instituições de ensino federais e exprime um caráter do qual busca quitar uma dívida social histórica ao implementar uma porcentagem específica de cotas raciais que segue a porcentagem estadual de pessoas pertencentes à população negra, parda e indígena.
  A cota para pessoas com deficiência poderia ser ofertada de modo facultativo pelas instituições, entretanto, apenas com a obrigatoriedade constitucional recente que essa realidade começou a mudar, pois agora a regra de cotas que servia para questões étnicas também serve aos deficientes. No Exame Nacional do Ensino Médio(ENEM) em 2016, 68.907 dos participantes alegavam ter alguma deficiência. Algumas universidades federais já possuem algum tipo de estrutura que serve para pensar a permanência e autonomia dos alunos deficientes, temos como exemplo a Universidade Federal de Minas Gerais(UFMG) da qual possui o Núcleo de Acessibilidade e Inclusão(NAI) que na matrícula conversa com alunos deficientes e busca ver as necessidades de cada um, buscando ações afirmativas para cada caso. A UFMG produz material didático em braile, textos esteticamente modificados para casos específicos e possui conteúdo em libras, além do material, nas salas de aula e eventos há intérpretes de libras caso necessário. A Universidade Federal do Rio Grande do Sul(UFRGS) começa a colocar em prática as alterações da lei em 2018, já possuindo tal regra de cotas para o próximo concurso de vestibular.
  Em meio a retrocessos na educação e poucos investimentos das esferas públicas nas questões de inclusão, cidadania e um enorme corte de direitos, cabe lutarmos e protestarmos em pró das políticas de cotas em espaços de ensino público. As universidades federais por possuírem provas de ingresso excludentes sempre acabavam(e ainda acabam) por beneficiar alunos de condições sociais e físicas mais privilegiadas no nosso contexto social, excluindo maior parte da população dos meios acadêmicos e agravando cada vez mais as diferenças sociais existentes entre nós.
  A população negra, indígena e de pessoas com deficiência deve unir forças e buscar a defesa por seus direitos, buscando a igualdade onde se é penalizado e o respeito às diferenças quando o conceito cínico de normalidade regente oprime.

LINKS COMPLEMENTARES:


UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL PREPARA-SE PARA AS COTAS DESTINADAS ÀS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA 


COTAS - LEI DE NÚMERO 13.409 DE 28 DE DEZEMBRO DE 2016





sexta-feira, 24 de novembro de 2017

DEFICIÊNCIA EM UMA VISÃO SOCIAL



“ Os estudos sobre deficiência surgiram no Reino Unido nos anos de  1970.  Deficiência não é mais uma simples expressão de uma lesão que impõe restrições à participação social de uma pessoa. Deficiência é um conceito complexo que reconhece o corpo com lesão, mas que também denuncia a estrutura social que oprime a pessoa deficiente.  Assim como outras formas de opressão pelo corpo, tais como o sexismo ou racismo, os estudos sobre deficiência descortinaram uma das ideologias mais opressoras de nossa vida social: a que humilha e segrega o corpo deficiente.”
                                                                                      - “O que é deficiência? – Debora Diniz”


Observação inicial: Cabe citar que as partes entre aspas e em negrito ao decorrer da leitura são tiradas do livro ‘O que é deficiência?”escrito por Debora Diniz, a mesma leitura serviu de base argumentativa ao resto do texto.

Como é visto o deficiente?

No Brasil como no resto do mundo, existe pouca atenção e aprofundamento nos estudos referentes à deficiência e, dentre os estudos existentes, há grande concentração dessa pesquisa nas áreas de biomedicina, psicologia ou na educação especial. Como afirmado na introdução, deficiência é um conceito de extrema complexidade que vai além das áreas médicas, muitos veem a deficiência como uma má sorte pessoal e que os problemas enfrentados pelo deficiente são completamente inerentes à sua diferença física ou mental.
Essa visão muito popular da deficiência apresenta enorme senso comum e esquece os demais campos do qual é necessário existir aprofundamento sobre o tema; como a sociologia, antropologia e até mesmo uma reflexão da ética ao tratamento do qual a sociedade dá aos deficientes.

“O que existe são contextos sociais pouco sensíveis à compreensão da diversidade corporal como diferentes estilos de vida.”  

Assim como qualquer indivíduo, o bem-estar e capacidade de atingir objetivos estão intrinsecamente ligados com a sociedade, não somos seres autossuficientes, muito pelo contrário; todos desde que nascemos necessitamos de alguém para nos desenvolver, seja quando se é recém nascido e necessita de cuidados que garantam a sobrevivência, quando precisamos nos locomover e utilizamos uma série de transportes urbanos conduzidos por outros ou de cuidados físicos especiais que muitas vezes são necessários na vida idosa. Nossos objetivos e vontades estão dentro deste contexto, as relações e a estrutura material disponível facilitam ou dificultam a vida dos indivíduos. Não fazemos nada completamente sozinhos dentro da nossa estrutura, sempre utilizamos algo construído por outros, precisamos de ajuda em várias ocasiões e por aí vai, tudo é interligado, aprendemos com outras pessoas e ensinamos, esses exemplos simples nos levam a concluir a interdependência dos humanos uns com os outros.
Essa noção de interdependência é necessária para compreendermos o peso social na vida de qualquer um e obviamente, dos deficientes. Um cadeirante habitante de uma cidade com rampas, acesso a transportes preparados e ambientes dos quais tenham o necessário para sua autonomia, tem sua vida facilitada, ao contrário de uma cidade totalmente despreparada e esburacada, com poucos ambientes e transportes preparados para sua condição física. Além de como o corpo interage com o meio, existe também o tratamento social que cada um de nós tem. Assim como o racismo, ser discriminado ou desmerecido em outro fator por ser deficiente, causa um impacto negativo e doloroso na vida do indivíduo. Ser tratado como incapaz, ouvir “piadas” de extremo mau gosto ou qualquer coisa do gênero, exclui o deficiente de várias esferas da vida coletiva necessárias a qualquer ser humano, seja no âmbito da amizade, do amor ou até mesmo de se sentir confortável em um ambiente com pessoas diversas. No nosso contexto social, a deficiência acaba trazendo mais que uma lesão ou doença e carrega consigo o pesado fardo da restrição social.


Quais os valores de nossa sociedade e como isso interfere na nossa relação com a deficiência?

  Nossa sociedade têm fortes valores ligados à produção e ao trabalho no geral, em um mundo onde o poder individual é ligado a condições materiais e a estereótipos eurocentristas, certamente temos um reflexo na sociedade como um todo, pois se o sistema político é assim e rege as coisas sob certa regra, logo o modo das pessoas pensarem e interagirem terá influências desse sistema que rege a todos. Em um sistema de produção em massa e idolatria da propriedade, certamente aqueles dos quais não se “encaixam” em uma linha produtiva quaisquer tem o seu valor desmerecido, não é pensado em novos modos de ver o mundo e de construí-lo para todos de modo inclusivo. As condições específicas enfrentadas por deficientes e seu modo exclusivo de ver o mundo (interagir de maneira diferenciada com o material e com a sociedade dão percepções muitas vezes incapazes de serem vistas de outro ângulo) não são respeitados e são descartados como utilitários no nosso modelo de sociedade atual. Cabe lembrar o dinamismo existente entre as diversas relações humanas e seus diferentes modos de desenvolvimento.
Em outros tempos, alguém que via o mundo de uma maneira mais científica(como Galileu que foi condenado pela Igreja Católica em 1633 por falar que a Terra era redonda e girava ao redor do sol) era mal visto e não tinha muitas vezes o seu potencial valorizado por ferir valores regentes da época, hoje sabemos o quão injusto foi tal posicionamento de comunidades medievais. Deficientes com potenciais muitas vezes diferentes dos nossos são desqualificados por ignorância de nossa sociedade em não incluir e tentar perceber tais potenciais, ignorando percepções que poderiam ser úteis ao próprio desenvolvimento humano, podendo estar repetindo uma postura parecida com a dos medievais, de frear o desenvolvimento de novas visões que podem ser úteis para todos. Acima disso podemos ainda falar sobre ética e justiça, pois excluir e não valorizar supracita o outro, imaginando-o como um incapaz de realizar qualquer atividade, menosprezando sonhos e botando barreiras na vida de muitos cidadãos que enfrentam dia a dia uma gama de dificuldades.

“O argumento do modelo social era o de que a eliminação das barreiras permitiria que os deficientes demonstrassem sua capacidade e potencialidade produtiva. Essa ideia foi duramente criticada pelas feministas, pois era insensível à diversidade de experiências da deficiência. A sobrevalorização da independência é um ideal perverso para muitos deficientes incapazes de vivê-lo. Para muitos deficientes, a demanda por justiça ampara-se em princípios de bem-estar diferentes dos da ética individualista.”

Se o sofrimento, exclusão e futilidades materiais como um todo estão nas raízes da visão de nossa sociedade, seriam esses valores justos e adequados para seguirmos com nosso modelo social?